terça-feira, 22 de abril de 2008

Sobre gênero e democracia

A questão sobre gênero e as relações desiguais de poder entre homens e mulheres é sempre complicada. Trabalhei durante três meses na sede da Unesco, em Paris, na Secção de Mulher e Gênero. E o assunto causa polêmica e falta de entendimento mesmo entre os funcionários da organização. Os Estados membros da Unesco reafirmaram seu compromisso com a África e com gênero durante sua 34a Conferência Geral, realizada no fim do ano passado em Paris. Mas quem diz que os próprios representantes dos Estados membros que apontaram África e gênero como prioridades globais da Unesco entendem do assunto.

Mais tarde vou escrever um pouco mais sobre a experiência que tive na Unesco. Foi bom para desmitificar a imagem que eu tinha sobre a organização.

Mas, enfim, escrevi essa introduçãozinha porque hoje lembrei de dois fatos muito interessantes e que merecem a nossa reflexão. Um é o fato de duas tradutoras angolanas não terem cumprido com o acordado para o trabalho. Elas haviam sido contratadas pela Minibus Media em Angola para traduzirem um vídeo educativo sobre as eleições do português para duas línguas nacionais, o kimbundo e o umbundo. Na última hora, elas desistiram. Não estava presente, mas a leitura que faço disso é que foi uma questão de gênero. Essas mulheres se sentiram inseguras, desempoderadas perante os tradutores homens. Esse é um dos motivos que explicaria a desistência de duas mulheres com experiência em tradução que trabalham todos os dias com isso para a televisão local.

Outra explicação é a complexidade do trabalho. Não que elas não estivessem acostumadas com ele. Mas o assunto pode ter sido um fator limitador: as eleições legislativas. Para traduzir o vídeo, as tradutoras precisariam estar familiarizadas com temas - e vocabulário- relacionados com democracia. Muitos outros tradutores sentiram essa dificuldade. Eles levaram o texto para casa para estudar as melhores palavras para a tradução ao invés e traduzirem na hora, como estão acostumados a fazer.

Uma língua representa uma cultura. E essa falta de vocabulário reflete muito sobre a situação atual. Se faltam palavras para falar sobre democracia, imagine ações!

2 comentários:

moi, je suis...bizarre disse...

queri
posso fazer um comentario altamente sexista e completamente desinformada da realidade das suas tradutoras? Enquanto as mulheres tiverem medo de homem (da opiniao deles, da nao aprovacao, da aceitacao no mundo deles...), vai ser assim. A culpa também eh delas. Alias, eu sou uma delas.
Beijo
Ale

Mirella Domenich disse...

Oi, Ale, concordo e discordo de você ao mesmo tempo. É que eu acho que o buraco é mais embaixo. A reação da mulher muita vez está pauta em toda a construção social opressora que existe em torno dela. E isso é uma coisa de anos, de séculos, que muda aos poucos. A luta ainda continua...
beijos