segunda-feira, 7 de abril de 2008

O dilema da apuração



Ao ler sobre a demora na divulgação do resultado das eleições presidenciais no Zimbábue, realizadas em 29 de março (sem dados até agora), logo lembro das eleições do Malauí, que cobri em maio de 2004. Malauí? What? Bom, o Malauí é um país da África Austral, com pouco mais de dez milhões de habitantes, ex-colônia inglesa. Depois da independência, em 1964, os malauianos viveram 30 anos de regime militar. Depois, mais dez anos de ditadura disfarçada de democracia. Desde 2004 tem um novo presidente. Infelizmente, não posso dar informações precisas de como está a situação agora. Parece que tem melhorado. Mas é bem difícil conseguir informações confiáveis sobre o Malauí. Está na África, não tem petróleo, diamante, porto. Ou seja: não é notícia.

Apresentação feita, Malauí - leitor, leitor - Malauí, vamos ao que interessa. Estava falando das eleições. Assunto delicado em qualquer canto do mundo, no continente africano não é diferente. Enquanto o líder da oposição zimbabuana e candidato à presidência, Morgan Tsvangirai, divulga aos quatro cantos que é o vencedor das eleições, a Comissão Eleitoral tarda a divulgar os resultados finais. Há suspeitas de fraude. Mas há provas? E se o Mugabe perder será que os observadores eleitorais vão declarar que as eleições foram livres, justas e transparentes ou não? E se ele ganhar?

No Malauí, em 2004, aconteceu exatamente a mesma coisa. Lá, como no Zimbábue, a oposição ganhou as eleições parlamentares. E a Comissão Eleitoral demorou muito para divulgar os resultados das presidenciais. Nessa demora, aprendi muito. Fiz plantão de três dias em um salão de convenção onde a contagem final dos votos estava sendo feita pela Comissão Eleitoral. Havia poucos jornalistas. Tinha um pessoal da África, um cara da China, e nós, Chris e eu, alemão e brasileira. E havia também pelo menos três consultores da ONU que foram contratados para dar apoio à Comissão Eleitoral: um australiano, uma venezuelana e um do Suriname. Eu estava enlouquecida, cobrindo uma eleição na África pela primeira vez, entendendo melhor a atuação dos observadores internacionais (havia pelo menos 300 gringos), dos partidos políticos, da sociedade civil. Foi um tempo em que eu realmente me senti jornalista, uma espectadora privilegiada da vida.

Enfim, eu e a torcida do Malauí queríamos saber o resultado das eleições. Foi quando, conversando com a venezuelana (não lembro o nome dela), tive uma grande lição: "é melhor segurar a divulgação dos resultados se a comissão não tem certeza se a contagem está certa ou não". Na verdade, havia desde erro de cálculo, até cédula extraviada e fax ilegível (pois é, os resultados de lugares distantes eram enviados por fax). Ela tinha razão. O grande problema é que a comissão não tinha preparo para lidar com isso. Imagino que seja uma situação semelhante no Zimbábue.

E tudo o que parecia correr bem no Malauí, começou a degringolar de forma abrupta. Nesse meio tempo, o líder da oposição, Gwanda Chakuamba, convocou uma coletiva de imprensa para se auto-intitular presidente eleito. Sem provas, sem números, sem nada. Só para dar aquela incentivada ao caos.

O anúncio dos resultados, em maio de 2004, foi antecipado pela Comissão Eleitoral para evitar que a Suprema Corte entrasse com recurso para suspender as eleições a pedido de alguns membros da oposição. Vitória do candidato da situação Bingu wa Mutharika. O anúncio gerou revolta em moradores da cidade de Blantyre, capital econômica do Malauí. Várias pessoas saíram às ruas para se manifestarem contra os resultados, um evento raro em um dos países mais pacíficos do continente africano. Pelo menos dez pessoas teriam sido mortas por policiais, incluindo uma criança de dez anos. A ativista de direitos humanos Emmie Chanika, da ONG local Civil Liberties Committee (Comitê das Liberdades Civis), apanhou de dois filiados do partido do governo. Ela ganhou a ação contra os agressores graças ao documentário que Chris e eu produzimos, o "The Making of a Presidente" (Presidente sob Encomenta, na tradução livre), usado como prova pela acusação.

Dias depois da vitória, no entanto, alguns candidatos da oposição se juntaram ao partido do governo. O tal Chakuamba, que disse que teria ganho as eleições, também. A imprensa local especulou que esses políticos teriam sido comprados pelo ex-presidente Muluzi, que estaria articulando a retomada da maioria do Parlamento para a situação. Os políticos alegaram que a mudança era estratégica para formar um governo de unidade nacional e garantir governabilidade. Hmmm.

Membros mais radicais da Igreja Cristã do país chegaram a dizer que essa manobra política teria sido articulada pelo ex-presidente Muluzi, que estaria governando no lugar de Mutharika. Meses depois, no entanto, Mutharika rompeu com Muluzi e se desfiliou da UDF. E outros meses depois, demitiu Chakuamba, acusado de corrupção.

Pelo pouco que sei agora, parece que o tal Mutharika está superando as expectativas que, diga-se de passagem, eram péssimas.

Agora resta saber o que vai acontecer no Zimbábue.

Para assistir ao trailer do documentário "The Making of a President", clique aqui.

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