segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vou de táxi!

Confesso que algumas das imagens que me deram um certo alívio quando dei aquele google básico para ver como Bissau é, foram as fotos que traziam imagens de táxis. Sim, não dos táxis de Angola, como as lotações são conhecidas por lá. Mas dos táxis como os conhecemos no Brasil. Pensei comigo mesma: ufa, se tiver perrengue, pego um táxi.

Quando morei na Beira, em Moçambique, em 2003, nunca peguei um táxi. Naquela época, não existia esse serviço. Em 2009, quando por lá voltei para passar as férias, já haviam carros particulares que mesmo sem se identificarem como táxis, prestavam o serviço de táxi. No Malawi também não me lembro dessa miragem mágica: ver um táxi na rua. Em 2006, em Luanda, em Angola, tinha o Maicon táxi (acho que era esse o nome). O preço era absurdo e a gente nunca sabia se o táxi vinha ou não. Na mesma época, não me lembro de ter visto táxi no Lobito, só em Benguela. Já em 2008, não encontrei o Maicon táxi pela ruas. Não sei se desapareceram ou se foi falta de sorte.

Aqui em Bissau, o táxi funciona como lotação. Mas funciona. Há vários pelas ruas, ao preço médio de 200 CFA, o equivalente a uns R$ 0,80. Hoje voltei à noite para casa e liguei para um dos taxistas de confiança do pessoal da embaixada do Brasil. Serviço de porta a porta, por 500 CFA. Conclusão: é possível sair de casa depois das 19h, quando escurece em Bissau, sem ter carro. Nusssssssssssssss, que alívio!

sábado, 25 de setembro de 2010

Cuidado, cuidado, cuidado











As coisas que eu mais ouvi quando contei para as pessoas no Brasil que viria para Guiné-Bissau foram:

- Cuidado!
- Você está louca.

Sim, todo mundo pediu para eu tomar cuidado. Acho que é natural, isso aconteceu quando eu fui para os EUA ou para a Europa. Mas a preocupação perante à África é sempre maior. É a preocupação com o desconhecido - essa gente não deve ter lido Minha Vida na África...rs. Afinal, nós, brasileiros, pouco conhecemos a África, apesar de nossa história ter se cruzado em vários momentos.

Geralmente eu sempre digo: cuidado eu tenho que ter para andar em São Paulo! E isso é uma grande verdade. No sábado passado fiz minha primeira caminhada pelas ruas de Bissau, sozinha, botinha de bióloga para driblar os obstáculos das ruas, olhares atentos. A sensação foi maravilhosa. Munida de minha maquininha fotográfica fiz algumas fotos. Ninguém me perturbou. Ninguém reclamou. Ninguém tentou me roubar. Tive uma sensação de liberdade grande, só possível quando eu sinto segurança. E estava eu em Bissau, muito mais segura do que em São Paulo.

Não. Não sou louca. Isso é fato!

Aqui seguem algumas primeiras imagens que fiz.

Obs.: Piadinha que corre na boca pequena: Bissau é a capital mais tranquila da África, o único problema é que tem golpe de estado duas vezes aos ano!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Primeiras impressões

Hoje é Dia da Independência na Guiné-Bissau. Comemoração pública? Muito pouca coisa. Até onde eu sei não foi feito nada em Bissau, mas fui a Quinhamel, a 30km daqui, com um colega jornalista. Ouvi o discurso da secretária do Primeiro-Ministro, pois nem ele nem o presidente estão por aqui. Estão na China, em visita de trabalho.

É feriado, mas poderia não ser. Eu não trabalhei hoje, mas o comércio abriu normalmente e os vendedores ambulantes também trabalharam. Quando falta tudo, não se pode ter o privilégio de não trabalhar em um feriado.

Aqui segue um pequeno filminho com as primeiras imagens.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Fazendo amigos

Hoje tive a oportunidade de conhecer o primeiro guineense fora da ONU. O nome dele é Bacar. Ele estudou direitos humanos no Brasil há dois anos, em um intercâmbio promovido pela ONG Conectas. Conversamos bwé e foi muito bom visitar a história de Guiné-Bissau por meio de seus ensinamentos.
Queria apenas registrar essa oportunidade, nessa terra que pela primeira vez pra mim em África é uma terra ainda de kubens e de azungos (brancos em língua kayapó e chichewa). Em Moçambique e Angola minhas referências de amizades sempre foram moçambicanos e angolanos. Agora o caminho está sendo pela contramão, mas os guineenses que me aguardem! rs

Quem mexeu no meu chocolate?

Dessa vez, o título é em alusão ao post abaixo Quem mexeu no meu queijo?, pois a história se repete, como no diálogo abaixo:

- Nossa, as vezes nao tem chocolate no pais...
- Outro dia comprei um chocolate e, faltando as duas ultimas barrinhas...
- As lagrimas escorreram pelo seu rosto?
- Nao, tinha traça.

(pausa para risos)

- Hoje fui ao mercado e vi dois tipos de chocolate a venda. Nao conhecia a marca, mas quase te liguei pra avisar.
- Devem ser os mauritanos. Mas eu consegui comprar chocolate de marca conhecida hoje em outro supermercado.

(olhos brilhando)

- Vi uma prateleira com tres saquinhos daqueles mini-Mars, conhece?
- Loooooogico!
- Nossa, devem ser os unicos tres saquinhos do pais. Nao comprei deles, mas tinha um milka... (acho que era milka, nao me lembro, mas era marca conhecida). Comi tudo!

Em tempo: por obra do destino, ainda nao tive vontade de comer chocolate aqui. E por obra do calor, preferi nao montar um estoque. Espero apenas encontrar chocolate quando a vontade bater e poder gritar por todo lado: quem mexeu no meu chocolate?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Cerrado em fotos





O tema deste post não é diretamente ligado à África, mas indiretamente. É sobre a exposição fotográfica "A recriação do olhar sobre o Cerrado baiano", que teve sua estreia mundial na semana passada em Salvador e que amanhã estará em Camaçari (BA). O Cerrado é a savana brasileira, segundo maior bioma do país e hoje extremamente ameaçado. E como não poderia ser diferente, a Bahia é provavelmente o mais africanos dos estados brasileiros.

Sobre a expo: Dividida em cinco eixos temáticos – a biodiversidade, o ser humano, a comida, a água e o clima – a mostra é resultado de uma oficina de fotografia, seguida por uma expedição pelo extremo Oeste da Bahia realizada em maio deste ano. Na ocasião, 18 moradores locais produziram mais de sete mil cliques ao longo de 900 km rodados entre os municípios de Barreiras, Luis Eduardo Magalhães, São Desidério, Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia. O olhar de fotógrafos da natureza, como Adriano Gambarini e Luciano Candisani, também será contemplado pela exposição. O evento expõe vídeos com relatos da própria população da região acerca do Cerrado, assim como dos fotógrafos. Painéis removíveis proporcionam ao visitante uma maior interação com as imagens da região.

A mostra faz parte das ações do programa Produzir e Conservar, uma parceria entre a ONG Conservação Internacional e a Monsanto, implementada localmente pela ONG Bioeste.

Tive o prazer de fazer a curadoria dessa mostra e participar de toda a sua concepção ao lado do meu amigo Hebert Regis, da ONG Bioeste. Para mais informações, acesse www.conservacao.org ou www.bioeste.org.br. Vale a pena conferir.

domingo, 19 de setembro de 2010

Quem mexeu no meu queijo?


Quem mexeu no meu queijo?

O nome é de um livro de auto-ajuda. A lembrança que ele me traz é da minha mãe. Não pela auto-ajuda, mas pelo queijo. Ela é, sem dúvida, uma das maiores devoradoras de queijos que conheço. Mas, enfim, aqui em Bissau ela sofreria muito. Falta queijo no país.


Na sexta-feira, fui à embaixada do Brasil e ouvi o seguinte diálogo:

- Ta faltando queijo no país, sabia?
- Sim. Parece que também não tem leite.
- Ah, é?
- É. E já teve dias que tentei comprar tomate e cebola e não encontrei.
- Hmm. O pior é que não é que não encontrou em um lugar e vai encontrar em outro. Não havia tomate nem cebola no país inteiro.

Como praticamente tudo é importado na Guiné-Bissau, tudo depende da chegada de containeres no porto, das condições climáticas para o desembarque do container, do pagamento de 150% em impostos sobre os produtos. Esse último dado não é oficial. Foi o que o pessoal do diálogo acima me disse. De qualquer forma, os preços das coisas aqui são exorbitantes e há pouquíssima variedade.

Adoraria perguntar agora “quem mexeu no meu queijo”, mas, realmente, não há queijo no país, só o da foto mesmo.

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Em tempo: Hoje vi um container sendo descarregado em um mercado. De longe avistei um melão. Não vi queijo, mas espero que esteja guardado lá no fundinho.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A chegada em Bissau

- Mirella, Mirella....
Essas foram as primeiras palavras que ouvi quando cheguei em Bissau. Depois de 36 horas desde São Paulo, via Lisboa, estava eu de volta ao continente africano, em um país que nunca antes estivera.
Quando o piloto anuncia que o pouso estava autorizado, veio aquele arrepio. Não era medo, era emoção. Frio na barriga eu senti quando minha irmã atendeu o interfone lá em São Paulo, e me avisou que o táxi já estava lá embaixo. Mas agora era diferente. Já estava prestes a aterrar, como dizem por cá. Olhei pra baixo e nada vi. Claro, não há sistema de distribuição de energia elétrica a funcionar no país. Apenas senti quando o avião tocou o solo e daí vi algumas luzes na pista. Ufa! Não havia caído, era terra firme. Na hora me lembrei em situação semelhante vivida em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, quando o avião aterrou e saiu aquele balãozinho da minha cabeça: será que caiu?
Desci as escadas do avião com um sorriso que cruzava as orelhas e cujas pontas se encontravam lá na nuca. Confesso que tive vontade de beijar o chão. Mas não sou o papa, infelizmente! O pé direito foi o primeiro a pisar no solo de Bissau. Claaaaro, tinha que manter a tradição que descobri ser uma superstição. Depois entrei no ônibus, mais conhecido como autocarro, para ir até o galpão do aeroporto.
Lá chego e vejo várias pessoas esperando outras pessoas, antes da imigração. Achei estranho. Pensei “ferrou”. E continuei a caminhar. Ninguém me abordou, nem tentou “me ajudar” carregando a bagagem de mão, nem nada. Sensação ótima, mas estranha para quem já posou em outros aeroportos africanos e, diga-se de passagem, europeus.
Logo recebi um papel de imigração para preencher com meus dados. Escrevi e ouvi uma voz de longe a gritar: - Mirella, Mirella...
Pensei: não acredito que encontrei algum conhecido aqui. Mas não era um conhecido. Quem gritava era Cláudio*, motorista que fora me apanhar. Cláudio gritava aleatoriamente, na certeza de que eu o escutaria. Ele não tinha idéia de quem eu era. Na verdade, àquela altura, depois das já ditas 36 horas de viagem, eu me sentia meio estragada, com prazo de validade vencido. Carregava comigo o Fom (uma almofada super aconchegante feita de um material que se chama fom – ou a marca é fom?), com uma fronha azul celeste. Saí do avião abraçada ao meu fom companheiro, responsável por eu estar mexendo meu pescoço hoje. Se não fossem os cabelos brancos, eu me daria uns 15 anos. Devia estar parecendo uma adolescente depois de uma noite mal dormida, cujo pai a havia acordado cedo para o acompanhar na feira. Enfim, olhei através da cabine do oficial de imigração. Cabine feita em madeira escura até a altura da cintura, e depois de vidro, para que tanto imigrante quanto oficial possam se olhar. Acenei para Cláudio, que logo veio em minha direção dizendo: - “Ela está comigo, pode deixar passar”. O oficial olhou pra minha cara, carimbou meu passaporte, destacou o cartão de imigração e me devolveu uma das partes. Atrás dessa parte, os dizeres: “Guiné-Bissau, terra da biodiversidade”. Pensei: é destino mesmo. E cá estou.
Cláudio me deu boas vindas, me ajudou a pegar as malas, me indicou a saída para diplomatas e, enfim, cheguei em Bissau. Eram 2h30 da manhã. Não havia luz nas ruas, mas tinha uma sensação de segurança imensa. No caminho do aeroporto até minha acomodação, Cláudio falou coisas supersimpáticas e animadoras. Agradeceu por minha vinda, me desejou “boa vida” aqui. Enfim, foi um gentleman.
Por incrível que pareça, me senti no primeiríssimo mundo, pois Primeiro Mundo pra mim implica respeito entre as pessoas. A aparente cordialidade do povo da Guiné-Bissau contagia, agrada, motiva.
Ya, estamos juntos!


Em tempo: Na conexãozinha de 15 horas em Lisboa, comprei uma maquinha de filmar em uma loja chamada Worten. Quando fui para o hotel tentar dormir na horizontal, liguei a TV por curiosidade. A propaganda dizia algo como "Worten e os portugueses felizes para sempre". E complementava: "Worten sempre!"

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Chegou a hora!

Em doze horas deixo minha casinha em São Paulo rumo a Bissau. Na verdade, a essa hora eu deveria estar terminando de colocar umas cositas na mala, mas vou dar aquele intervalinho restaurador. Nusss, que desespero olhar pras malas.
Eu ia levar uma mala grande e uma pequenininha. Mas fui colocando as coisas e o total resultou em duas malas grandes, uma com uns 30kg e outra com uns 27kg. Ainda bem que não pesam o passageiro e, por isso, não pagarei excesso de bagagem...heheh
Mas, enfim, da primeira vez que fui pra África levei uma mala de 18kg. MAS, eu era sete anos mais nova, não ia trabalhar na ONU e achava que conseguiria comprar acetona por lá.
Hoje já passei dos trinta e por cinco países africanos. Nem lembro se tentei comprar acetona, mas já tentei comprar condicionador, por exemplo, e nem sempre encontrei. Ou comprar um queijo, ou água com gás, ou um refri light.... Não é em todo lugar que se encontra toda coisa.
Então resolvi montar meu kit primeiros socorros:
- liquidificador
- panelas
- talheres
- copão pro suco verde
- toalha que seca rápido (tem pouco algodão)
- CD com curso de canto
- alguns filmes
- kit Herbalife (tks, Crica!)
- impressorinha de fotos
- livro de francês
- bola de Pilates e sua bombinha]
- dois travesseiros
- bolinha de massagem
- cremes e mais cremes
- lixeira ecológica e poética
- fotos
- até um Fom tá lá
etc...

Bom, decidi: já que posso levar duas malas de 32kg cada, vou levar e montar uma casa lá com a minha cara. E o melhor é que depois de carregar isso tudo, vou ter seguro saúde, caso precise de um ortopedista...rs

Uma coisa é certa: sei que é possível viver sem tudo isso. A maioria da população de Guiné-Bissau provavelmente não terá na vida inteira o que eu estou levando nessas duas malas. Isso é cruel demais. Mas, de coração, espero que o que de mais valioso que estou levando, seja realmente transformador - que é a vontade de fazer acontecer e de que meu trabalho gere mesmo resultados que afetem positivamente a vida das pessoas.

Até Bisau!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Cebolinha firme e forte

Hoje liguei pra Moçambique com aquele friozinho na barriga que me dá toda vez que ligo pro orfanato.
A última vez que falei com Cebola foi no Natal. Sabia que não iria falar com ele, pois desde maio ele e todas as crianças foram reinseridas em suas famílias. E o friozinho na barriga aumenta toda vez que lembro disso. Pessoalmente, eu acho que a Cruz Vermelha, que administrava o orfanato, tomou a decisão correta. Mas o meu medo era ter notícias que não fossem boas. No final de 2004, Cebola foi passar férias na casa do tio e não havia dado certo. Passou necessidades.
Enfim, dessa vez liguei, pois queria garantir notícias antes de ir para Bissau uma vez que não sei se conseguirei ligar via skype para o telefone fixo do orfanato, já que a conexão com a internet não é boa em Bissau.
Consegui falar com d. Deolinda, diretora do orfanato. E para minha felicidade ela reclamou bem menos do que das outras vezes que eu havia falado com ela. Disse que a reinserção de algumas crianças tem sido difícil, mas não se queixou tanto como antes. Falou que Cebola está feliz com o tio e, o mais importante, está saudável. Mas minha coragem não foi além: não perguntei se ele está na escola, pois tenho medo da resposta.
Ela visita as crianças semanalmente. Não tinha um telefone de contato para que eu pudesse falar com Cebola, mas me garantiu que se eu ligar em 15 dias, irá providenciar o celular do vizinho da família dele.
Como o tempo de lá é diferente do daqui, tenho esperança que conseguirei falar com Cebola ainda este ano.
A teacher tá morreeeeeendo de saudades!