terça-feira, 24 de junho de 2008

Sociedade civil angola opina sobre Zimbábue

TOMADA DE POSIÇÃO DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL ANGOLANA SOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ZIMBABWE

Preocupadas com a situação dos Direitos Humanos e o Processo Eleitoral no Zimbabué, as Organizações da Sociedade Civil Angolana, subscritoras desta Tomada de Posição, realizaram a « 2.ª Conferência sobre a Democracia e o respeito pelos Direitos Humanos no Zimbabwe », no dia 10 de Junho de 2008, na sala Diamante do Hotel Alvalade, Luanda-Angola.

Participaram do evento membros e funcionários de Organizações da Sociedade Civil, representantes de algumas Embaixadas acreditadas em Angola, representantes de Organizações Internacionais em Angola, representantes de partidos políticos, um membro do governo angolano, jornalistas, estudantes universitários e activistas dos Direitos Humanos e uma Consultora de nacionalidade zimbabueana.

Depois da reflexão e discussão sobre os temas «O papel da diplomacia angolana no processo eleitoral e democratização do Zimbabwe», e «Uma perspectiva comparativa dos processos de democratização do Zimbabwe e de Angola», as Organizações da Sociedade Civil Angolanas participantes do evento chegaram as seguintes

CONSTATAÇÕES E RECOMENDAÇÕES:

1. Que há um agravamento de casos de violações de Direitos Humanos no Zimbabwé que se consubstanciam em assassinatos, detenções e prisões arbitrárias de todo o género, proibição do exercício do direito de reunião, opinião e associação, direito de circulação, privação de assistência médica e medicamentosa aos seropositivos e constantes intimidações de cidadãos que queiram exercer os seus direitos civis e políticos;

2. Que o processo eleitoral no Zimbabwe não está a respeitar as regras democráticas consagradas nas normas internacionais e da SADC;

3. Que há falta de espaço político para o exercício das liberdades fundamentais consagradas na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e nos Princípios e Objectivos da SADC e da União Africana;

4. Que há pouca eficácia das instituições Regionais Africanas na defesa e promoção dos direitos humanos no Zimbabwe.

5. Que existe um silêncio do Governo e do Chefe de Estado angolano no que concerne à situação dos direitos humanos e democratização no Zimbabwe.

6. Que existe uma inoperância dos deputados à Assembleia Nacional de Angola em relação ao questionamento ao Governo sobre o papel de Angola no processo eleitoral no Zimbabwe.

7. Que as experiências do processo eleitoral no Zimbabwe são diferentes do processo angolano, mas que é necessário aprender com os erros dos outros;

8. Que as soluções apresentadas para resolução dos problemas sociais e políticos sejam encontradas e efeitos da crise;

E RECOMENDA-SE:


1. AO GOVERNO DE ANGOLA

i) Que o Governo angolano na qualidade de líder da Comissão de Defesa e Segurança da SADC repudie publicamente os actos de violações dos Direitos Humanos no Zimbabwe de acordo com os princípios consagrados no acto constitutivo da SADC.

ii) Que o Governo angolano esclareça os cidadãos angolanos acerca da natureza do Acordo de Cooperação sobre Ordem Interna e Segurança entre Angola e o Zimbabwe e sobre a entrada em Angola do navio chinês que carregava armas para o Zimbabwe.

iii) Que o Governo angolano ponha termo à diplomacia do silêncio em relação à situação de crise reinante no Zimbabwe.

iv) Que sejam respeitadas as garantias materiais do livre exercício dos direito civis e políticos consagrados na Constituição e nas Convenções Internacionais dos Direitos Humanos antes, durante e depois das eleições em Angola.

2. ÀS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL ANGOLANA

i) Que continuem a denunciar todos os actos de violações dos Direitos Humanos no Zimbabwé, bem como a acompanhar o processo eleitoral zimbabueano in situ.

ii) Que continuem a manifestar a sua solidariedade para com o povo do Zimbabwé, para com a Sociedade Civil e para com os defensores dos direitos humanos zimbabueanos.

3. AO GOVERNO DO ZIMBABWE

i) Que respeite os Direitos Humanos consagrados na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, os princípios do Estado de Direito Democrático, os princípios e objectivos da União Africana e da SADC de acordo com os valores culturais, filosóficos e éticos de África.
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4. AOS CHEFES DE ESTADO DOS PAISES DA SADC

i) Encorajam os chefes de Estado da SADC a denunciar as constantes violações dos direitos humanos, a restrição do exercício dos direitos civis e políticos e apelam para o respeito pelas regras democráticas e da boa governação antes, durante e depois das eleições;

ii) Denunciam a “diplomacia do silêncio” dos Chefes de Estado da maioria dos Estados da SADC.

5. À UNIÃO AFRICANA

i) Que tome todas as medidas com vista a acabar com as constantes violações dos direitos humanos e preste todo o apoio ao processo democrático no Zimbabwé.
ii) Que envide todos os esforços para que se ponha fim às sanções aplicadas ao Zimbabwe.

As organizações
Conselho de Coordenação dos Direitos Humanos
Associação Justiça, Paz e Democracia

terça-feira, 17 de junho de 2008

O que é pobreza?

Na semana passada participei de um fórum de comunicação e sustentabilidade no qual a palavra pobreza foi repetida inúmeras vezes. Mas o que é pobreza? Será que podemos definir a pobreza somente do ponto de vista econômico como, geralmente, acontece?

Bom, eu sou fã de Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia há alguns anos. Aliás, estou relendo seu livro "Development as freedom" (Liberdade como desenvolvimento). Também sou fã do conceito "capabilities" (capabilidades), desenvolvido por ele e sobre o qual escreverei mais algum dia desses.

Estou mesmo curiosa para saber de você, leitor, qual sua definição sobre pobreza. Acho que a definição de cada um para pobreza é que ajuda a definir as diferentes maneiras de se pensar em desenvolvimento. Por isso, criei a enquete atual deste blog. As respostas são genéricas, mas podem ajudar a traçar uma definição da pobreza.

Vote, discorde, opine!

domingo, 15 de junho de 2008

Ele só quer é ser feliz

A maior preocupacao do menino José* no momento é o conserto da televisao do orfanato onde vive, em Nampula, Mocambique. A televisao esta quebrada ha quase um ano, mesmo periodo em que José recebe tratamento com antiretrovirais. O tempo, no entanto, nao parece uma barreira. Ele proprio se confunde ao indicar a sua idade. Suas respostas variam de cinco a dez anos. A diretora do orfanato, dona Cinira, como é conhecida, diz que José tem 12 anos, mas tem duvidas sobre a veracidade da informacao. O que é certo é que José é seropositivo desde seu nascimento.

Ha cinco anos ele vive no orfanato, que tem capacidade para 30 meninos. “As meninas orfas tem mais facilidade em conseguir moradia. Elas ajudam membros da familia com servicos domesticos, como buscar e carregar agua dos poços ate as casas, cozinhar e tomar conta de outras criancas menores. Assim acabam sendo mais aceitas que os meninos”, diz dona Cinira.

José, no entanto, sofreu a saga de tantos outros orfaos que vivem em Mocambique: rejeicao e estigma. Segundo os ultimos dados da Onusida, referentes ao ano de 2003, 470 mil criancas mocambicanas perderam pelo menos um de seus pais em decorrencia de Sida. Como José existem hoje mais de 90 mil criancas seropositivas em Mocambique. Seu tio, que é seu familiar mais proximo ainda vivo, mora ha cerca de oito quilometros do orfanato, em um dos bairros mais pobres da cidade. A casa nao tem energia eletrica nem agua corrente. Ele entregou o menino ao orfanato sob a alegacao de nao ter dinheiro para alimenta-lo. No entanto, tem duas mulheres, segundo Arnaldo, de 22 anos, que vivia no orfanato quando José foi morar la. “Ele chegou aqui muito fraco, mal conseguia andar”, conta Arnaldo, que nao sabe se tem algum membro da familia ainda vivo. Arnaldo foi deixado em um orfanato quando era muito pequeno – nao lembra a idade certa – durante a guerra civil que assolou o país por 16 anos, encerrada em 1992 com um acordo de paz entre o governo e a Renamo, hoje principal partido de oposicao mocambicano. Depois do fim da guerra, Arnaldo tentou todos os esforcos para encontrar a familia, desde anuncios na radio a divulgacao boca-a-boca. Nunca teve sucesso.

Ele é um dos poucos jovens do “centro”, como as criancas se referem ao orfanato, que sabem que José tem HIV/Sida. “José é doente, mas é uma crianca como outra qualquer. A unica diferenca é que ele precisa de alguns cuidados especiais”, diz Arnaldo, referindo-se ao tratamento com antiretrovirais.

Vitima mais do estigma que o HIV/Sida carrega do que da propria doenca em si, José luta a cada dia pela vida sem saber. Adora ir ao hospital porque é uma oportunidade de passear de carro. Esta na quarta classe e agora comecou a ter mais confianca em escrever e a ler. Estuda em uma escola a menos de cinco minutos a pe do orfanato. Por isso, é um dos primeiros a chegar para o almoco. “Hoje comi arroz e feijao. Quero muito comer carne”, diz ele, em uma tentativa de sensibilizar a reportagem para alcancar seu objetivo.
Segundo dona Cinira, ele sabe que é doente porque tem de tomar remedio diariamente, um comprimido pela manha e outro a noite. Mas a vitalidade que José carrega dentro de si faz a propria diretora se confundir. “Ele sabe que é doente, mas nao esta doente”, diz ela. “Apesar de estar em tratamento, José faz as mesmas coisas que as outras criancas do orfanato”, afirma. No ultimo ano, com o tratamento antiretroviral, José ganhou peso e altura, diz dona Cinira.

Foi no orfanato que José teve suas primeiras experiencias de integracao na sociedade. A voluntaria hungara Sarolta Banyia, de 23 anos, que trabalhou ali durante seis meses, diz que a evolucao de José é visível. “Antes ele nem conhecia a palavra ´carinho´e muito menos seu significado. Sempre se confundia com ´carrinho´”, diz ela. Agora, alem de carinhoso, José é tambem carismatico. Tem varios amigos no orfanato e na escola.

Ele tem ainda um pouco de dificuldade para andar. Uma de suas pernas parece ser maior do que a outra, o que o faz cambalear de um lado para outro quando se movimenta. A barriga grande, cheia de vermes, é motivo de orgulho para José. “Ele é pequeno mas come como ´big´”, diz seu amigo Augusto, de 11 anos. Segundo o professor de desenvolvimento da Universidade de East Anglia, em Norwich, Inglaterra, Mark Harrison, a sociedade é que torna uma pessoa deficiente. “A exclusao parte de fora para dentro e a pessoa acaba por internaliza-la. Quando o caso é o reverso, a inclusao e a consequente integracao acontecem naturalmente”, diz.

José foi ganhando seu espaco aos poucos. “Os outros meninos sabem que ele esta em tratamento, mas so os mais velhos sabem que doenca ele tem”, diz dona Cinira. José tem algumas regalias, como tomar leite e comer ovo em dia de peixe, alimento que ele nao gosta. Mas a sintonia entre as criancas supera qualquer tipo de preconceito ou ciumes. Os meninos sabem que José é um garoto especial. Nao é a toa que lhe dao prioridade para conversar com a reportagem por telefone. E ciente de seu poder de persuassao, José nao perde tempo: “precisamos de uma televisao”, diz. Afinal, ele é tao curioso pela vida como qualquer telespectador de telenovela.
*Os nomes dos entrevistados foram trocados para preservar sua identidade
**Esta matéria foi escrita por mim há um ano. Nunca foi publicada

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Trabalho vountário II - ser ou não ser?

Segundo o dicionário Aurélio, o termo voluntário significa "que age espontaneamente, derivado de vontade própria; em que não há coação; espontâneo".

Na definição das Nações Unidas, "o voluntário é o jovem ou o adulto que, devido a seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte de seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social ou outros campos..."

Bom, se eu usar a definição do Aurélio, 95% dos trabalhos que eu realizei na minha vida, pagos ou não, foram voluntários. Afinal, quase nunca fui forçada a fazer o que não quis, o que não acreditava.

Já, se eu usar a definição das Nações Unidas, só uns 2% dos trabalhos que já fiz na vida foram voluntários. Isso exclui meu trabalho em Moçambique. Afinal, lá eu recebia 100 dólares por mês para alimentação, transporte e lazer. Aliás, se for levar à risca a não remuneração, o que a ONU diz de seus próprios voluntários que ganham um bom salário para um trabalho que seria teoricamente sem remuneração? Nada contra alguém receber salário por seu trabalho, mas também não precisa chamar o cidadão de voluntário.

Enfim, eu acho que vale muito a pena trabalhar em países em desenvolvimento. O trabalho é necessário e gratificante. Muitas vezes, o trabalho voluntário é uma das únicas opções. E há várias dessas opções, desde ser voluntário da ONU (com salário, diga-se de passagem) a ter uma ajuda de custa bem básica ou até a pagar para ser voluntário (é só pesquisar que você irá achar várias agências de voluntariado que mais parecem agências de viagens).

Eu fui trabalhar como voluntária porque meu sonho era conhecer a África. Não a África dos safáris, mas a África desconhecida, ignorada nas aulas de história e nos jornais. Para mim, a experiência foi fantástica. Foi ótimo também viver em Moçambique com um salário baixo (mas maior do que o da maioria dos moçambicanos, que ganha menos de um dólar por dia). Os cem dólares que ganhava por mês foram, no entanto, suficientes para eu ter uma vida simples e conhecer de perto a realidade moçambicana. É bem diferente do que andar de carro, ir a bons restaurantes, não se preocupar com as contas no fim do mês. Andei de chapa (como as vans são conhecidas), comi feijão com massa (como os moçambicanos de Beira chamam a farinha de milho misturada com água), fui ao mercado central (um mercado a céu aberto que vende de tudo). Ou seja: tive a oportunidade de conhecer Moçambique de maneira que poucos estrangeiros conhecem. Isso foi essencial para eu entender a África que nunca existiu nos livros de escola.

domingo, 1 de junho de 2008

JOVEM E CIDADANIA

O que são eleições legislativas? Com essa dúvida em mente a brigadista da ONG Omunga, Isabel Paulo, saiu às ruas de Angola em busca de respostas convincentes e esclarecedoras. Afinal como tantos outros jovens angolanos, é a primeira vez que ela poderá votar. E dúvidas não faltam. O que é democracia? O que é o voto? Quem pode votar? Qual é o papel da Assembleia Nacional?
Por traz das câmeras estão os jovens Jesse Lufendo, Bernardino Jimbi, Edson Cardoso, também brigadistas do Omunga. Isabel e eles entrevistaram cidadãos, especialistas, membros de partidos políticos, da Assembleia Nacional e da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) para produzir o vídeo educativo “Angola rumo às eleições legislativas”. O vídeo é dirigido e coordenado pelos jornalistas H. Christian Goertz, Christiane Vieira e Mirella Domenich da consultoria em vídeo participativo Minibus Media, com apoio de José Patrocínio, do Omunga. A trilha sonora do vídeo é de autoria de rappers do Movimento de Rua.

Este vídeo é resultado de muito debate, trabalho e dedicação de todos envolvidos em sua produção. Como em qualquer processo democrático as decisões foram tomadas de forma participativa. Todos aprendemos muito com isso, principalmente a respeitar a vontade da maioria. Como em um jogo de futebol, no final do espectáculo todos ganham. Democracia é também assim, e as eleições são parte desse processo.

Em 20 minutos você pode tirar suas dúvidas sobre as próximas eleições legislativas angolanas. Para ajudar na reflexão sobre o processo de democratização de Angola, o manual que acompanha este DVD apresenta sugestões de como utilizar o vídeo em actividades de educação cívica. Acima de tudo em uma democracia todo cidadão tem direito à informação. Esse é mais um passo para “Angola rumo as eleições legislativas”.

O documentário é apresentado em português, kikongo, kimbundo, kwanhama, cokwe e umbundo. O mesmo pode ser utilizado em sessões com pequenos grupos como com grupos maiores. Para mais informações ou esclarecimentos podem aceder ao web www.minibusmedia-dvdeleicoes.org.

“Angola rumo às eleições legislativas” é de distribuição gratuita e se está interessado em receber cópias do documentário, encaminhe email para dvdeleicoes@gmail.com.

No ano do 60.º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, vamos exercer o nosso direito à participação política, votando com consciência.