terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Feliz 2010!
Escrevi esse texto no dia 12 de janeiro deste ano, depois de já ter frequentado muito hospital nos poucos dias de 2009, com minha mãe e meu avô. Mas essa é ainda a história de Ano Novo que mais marcou. É por isso que vou repeti-la. Os votos para o Ano Novo são os mesmos. Só vou mudar as fotos, acrescentando imagens deste ano em que tive a oportunidade de visitar quatro países africanos (África do Sul, Angola, Moçambique e Suazilândia). As imagens mostram olhares e momentos que vão ficar para sempre comigo, lembranças de dias felizes em 2009.
Aí vai o texto:
Queria lembrar de uma historinha de fim de ano que me marcou muito.
No final de 2003, morava em Beira, Moçambique, e fui passar o Natal e o Ano Novo com meu namorado, Chris, no Malauí, onde ele estava morando. Parti com dor no coração quando me despedi das crianças do orfanato onde trabalhei. Também parti com a promessa de que, na volta, teria um programa na rádio mais ouvida da cidade. Enfim, parti. (Aliás, depois conto os perrengues da viagem de ônibus, trem, bicicleta para cruzar a fronteira)
Passei o Natal em Monkey Bay, no Malauí, com Chris, minha amiga húngara, Shari, e mais uma gringolândia (nem lembro da onde o pessoal era). Fiquei à beira do lago, lindo, com aquela lua que só vi em poucos lugares. É claro que não parecia Natal. Comi arroz com ovo frito, nada de confraternização e tal. Aquela coisa européia do norte sem graça num país pobre onde pouquíssimas pessoas celebram o Natal. Mas lá estava parte da minha família na África (Chris e Shari) e era isso que importava. A outra parte havia ficado em Moçambique, no orfanato, e isso me fez sentir saudades. Fiquei mesmo na dúvida se deveria ter ido ao Malauí ou ter ficado em Moçambique com meus menininhos.
Depois do Natal, Chris e eu pegamos o Ilala, que é um mini-navio que segue para o norte do lago Malauí. Foram três dias de viagem até chegarmos a Nhakata Bay. Outro paraíso malauiano. Depois conto da viagem, que foi fantástica, apesar da super lotação do navio e de eu ser uma das atrações turísticas. Claro, mais uma vez, a única mulher branca no local. E a única brasileira!
Enfim, passamos a virada de 2003 para 2004 à beira do lago Malauí, a 12 horas de viagem de barco (um barquinho) rumo ao norte do país. Me vesti de branco e pulei sete ondinhas. Daí eu percebi como é bom ser brasileira ( e ter tradição!). É óbvio que eu era a única pessoa com pelo menos umas 15 simpatias na manga... haah. Foi um fim de ano sensacional, no meio do nada, natureza, um céu maravilhoso, um lago que eu nem sabia que existia, sem qualquer meio de comunicação, dormir na praia (de lago) com muita citronela para espantar o mosquito da malária... A volta para Yassini, onde Chris morava, também foi ótima! Ele viajou 14 horas em pé no corredor de um ônibus super lotado. Eu consegui lugar em cima de um saco de batatas (que deve ter virado purê depois da viagem). Coisas da vida, coisas de África! Banheiro no mato, à beira da estrada. Outra atração turística. Mas eu já estava esperta e tinha minhas táticas dos panos africanos.
Eis que volto para Moçambique com Shari (teve um perrengue na viagem também.... perdemos o ônibus!) e minha primeira parada, obviamente, foi no orfanato. Lá encontrei Cebolinha com um olhar triste, meio desconfiado. Peguei-o no colo e o coloquei sentado num murinho que segurava uma janela. Pedi para ele me abraçar: "Não vai abraçar a teacher?", perguntei. Daí ele me abraçou como havia me abraçado a primeira vez que conseguiu me dar um abraço (outra história que preciso contar aqui). Arnaldo, que também morava no orfanato, falou para mim: "Ele estava com medo de que a teacher havia esquecido dele e que não iria mais voltar." Isso cortou meu coração. Claro que ele tinha esse medo. Afinal, muitos voluntários e não-voluntáros vão para a África, vivem experiências maravilhosas, ficam marcados para o resto da vida e marcam os africanos que os conhecem também. O problema é que vários (ou será a maioria?) voltam para seus países de origem e nunca mais dão notícias. Manter contato é uma questão de respeito, na minha opinião - além de amizade, carinho, amor. É por isso que mantenho contato até hoje com todos os africanos que moram no meu coração e que fizeram e fazem parte da minha vida ontem, hoje e sempre.
O abraço de Cebola fez com que ele retomasse a confiança em mim. Aqueles minutinhos também me ensinaram muito mais. Cebola me contou que tomou refresco (refrigerante) no Natal e que comeu carne (de carneiro). Um luxo para ele que, diga-se de passagem, é bom de garfo como a teacher. Perguntei para Arnaldo como havia sido o fim do ano. Ele me disse: "Foi bom. Ninguém morreu, ninguém ficou doente!" E ouvir essas palavras de um cara órfão desde criança, que em 2003 devia ter em torno de uns 20 anos, foi uma grande lição de vida. E é isso que realmente importa: saúde!
Feliz 2010 para todos. Saúde! Saudades do meu povo.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Lembranças.... boas lembranças II
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
O embondeiro
O embondeiro, ou baobá, é a árvore-símbolo de Angola. Para mim é o símbolo da força, da luta. É uma árvore exuberante, que reina, soberana, naquele semi-árido do caraças, como dizem meus amigos angolanos.
Há várias lendas sobre o embondeiro. Uma das que mais gosto é a de que ele é a árvore do esquecimento. Quando os portugueses traziam os angolanos como escravos para o Brasil, eles os obrigavam a dar voltas em torno do embondeiro para que deixassem seu passado e sua história na África. Mas ainda bem que vários escravos não o fizeram assim, deram voltas ao contrário em torno do embondeiro, e, assim, trouxeram para cá muito do que hoje é a cultura brasileira.
E nessa época de fim de ano, eu também quero aproveitar para dar a volta ao contrário em torno do embondeiro para relembrar e poder aprender com o que passou e melhorar - sempre, assim espero.
Abaixo, duas fotos que tirei com o carro em movimento, na estrada que liga Lobito a Luanda, no mês passado.
Há várias lendas sobre o embondeiro. Uma das que mais gosto é a de que ele é a árvore do esquecimento. Quando os portugueses traziam os angolanos como escravos para o Brasil, eles os obrigavam a dar voltas em torno do embondeiro para que deixassem seu passado e sua história na África. Mas ainda bem que vários escravos não o fizeram assim, deram voltas ao contrário em torno do embondeiro, e, assim, trouxeram para cá muito do que hoje é a cultura brasileira.
E nessa época de fim de ano, eu também quero aproveitar para dar a volta ao contrário em torno do embondeiro para relembrar e poder aprender com o que passou e melhorar - sempre, assim espero.
Abaixo, duas fotos que tirei com o carro em movimento, na estrada que liga Lobito a Luanda, no mês passado.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Para Stefanny
O textinho abaixo escrevi para a Stefanny levar na escola e apresentar para seus colegas.
Meu nome é Mirella. Tenho 31 anos e sou jornalista. Estou escrevendo esse texto a pedido da Stefanny. Ela sabe que eu já morei na África e que voltei várias vezes àquele continente. É por isso que vou contar para vocês um pouquinho do que aprendi por lá.
A África é um continente muito grande. São, ao todo, 53 países. Cada país com uma cultura e uma história diferentes. Desses países, a língua portuguesa é um dos idiomas oficiais em cinco deles: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. Lá se fala português porque, assim como o Brasil, esses países também foram colonizados pelos portugueses. E foi assim que tanto a história do Brasil e da África se cruzaram.
Os portugueses trouxeram vários africanos como escravos para o Brasil. A escravidão foi, sem dúvida, um dos momentos mais cruéis da história da humanidade. Porque ao trazer aqueles africanos para o Brasil, os portugueses os tiravam a força de suas famílias e também tiravam sua dignidade. Os tratavam como mercadoria, os forçavam a trabalhar, os batiam, os maltratavam. É por isso que não podemos esquecer essa história. Porque, acima de tudo, não podemos jamais repeti-la.
Na época da escravatura, muitos negros refugiaram-se em quilombos, que eram áreas onde muitos afrodescendentes (negros e mestiços), se agrupavam para escapar da escravidão. O mais famoso quilombo foi o Quilombo dos Palmares, localizado onde é hoje o estrado de Alagoas. O Quilombo dos Palmares existiu por mais de um século, se tornando um símbolo da resistência africana à escravatura, que terminou oficialmente no Brasil com a assinatura da Lei Áurea.
Hoje, no Brasil vive a maior população negra do mundo fora da África. Foram esses negros trazidos como escravos que ajudaram a construir o Brasil de hoje. Eles trouxeram sua cultura, suas crenças, sua força, sua luta, sua música, sua culinária. Hoje há muitos brasileiros como você, como eu, como várias pessoas que conhecemos que são netos, bisnetos, tataranetos de descendentes de escravos e de ex-escravos. Somos todos brasileiros, iguais, apesar de diferentes cores de pele.
Conhecer nossa história é importante para entender o Brasil de hoje e para que possamos respeitar toda pessoa, independente de sua cor de pele. Por isso é que agradeço à Stefanny por me dar essa oportunidade de falar um pouquinho sobre a África e do africano que existe em cada um de nós brasileiros.
Com carinho,
Mirella
Meu nome é Mirella. Tenho 31 anos e sou jornalista. Estou escrevendo esse texto a pedido da Stefanny. Ela sabe que eu já morei na África e que voltei várias vezes àquele continente. É por isso que vou contar para vocês um pouquinho do que aprendi por lá.
A África é um continente muito grande. São, ao todo, 53 países. Cada país com uma cultura e uma história diferentes. Desses países, a língua portuguesa é um dos idiomas oficiais em cinco deles: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe. Lá se fala português porque, assim como o Brasil, esses países também foram colonizados pelos portugueses. E foi assim que tanto a história do Brasil e da África se cruzaram.
Os portugueses trouxeram vários africanos como escravos para o Brasil. A escravidão foi, sem dúvida, um dos momentos mais cruéis da história da humanidade. Porque ao trazer aqueles africanos para o Brasil, os portugueses os tiravam a força de suas famílias e também tiravam sua dignidade. Os tratavam como mercadoria, os forçavam a trabalhar, os batiam, os maltratavam. É por isso que não podemos esquecer essa história. Porque, acima de tudo, não podemos jamais repeti-la.
Na época da escravatura, muitos negros refugiaram-se em quilombos, que eram áreas onde muitos afrodescendentes (negros e mestiços), se agrupavam para escapar da escravidão. O mais famoso quilombo foi o Quilombo dos Palmares, localizado onde é hoje o estrado de Alagoas. O Quilombo dos Palmares existiu por mais de um século, se tornando um símbolo da resistência africana à escravatura, que terminou oficialmente no Brasil com a assinatura da Lei Áurea.
Hoje, no Brasil vive a maior população negra do mundo fora da África. Foram esses negros trazidos como escravos que ajudaram a construir o Brasil de hoje. Eles trouxeram sua cultura, suas crenças, sua força, sua luta, sua música, sua culinária. Hoje há muitos brasileiros como você, como eu, como várias pessoas que conhecemos que são netos, bisnetos, tataranetos de descendentes de escravos e de ex-escravos. Somos todos brasileiros, iguais, apesar de diferentes cores de pele.
Conhecer nossa história é importante para entender o Brasil de hoje e para que possamos respeitar toda pessoa, independente de sua cor de pele. Por isso é que agradeço à Stefanny por me dar essa oportunidade de falar um pouquinho sobre a África e do africano que existe em cada um de nós brasileiros.
Com carinho,
Mirella
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