Seria um dia qualquer de abril de 2004, se eu não tivesse conseguido uma entrevista exclusiva com o então presidente do Malauí, Bakili Muluzi. Conhecido por não dar entrevista, dentre outros atributos como corrupto e autoritário, Muluzi estava em Blantyre, capital econômica do país, para o lançamento de sua estação de rádio. O evento aconteceu poucos dias antes das eleições gerais, a terceira da história do país. Claro que o candidato apoiado por Muluzi, Bingu wa Mutharika estava lá. Qualquer semelhança com a campanha no Brasil é pura realidade!
Enfim, antes do evento, aproveitei para entrevistar Mutharika, lá mesmo no palco, enquanto ele aguardava a chegada de Muluzi. Eu havia conseguido agendar a entrevista depois de muita insistência com o assessor dele. Até aquele momento, Mutharika não havia falado para nenhum jornalista que não fosse da mídia estatal. Mas nada que muita insistência, sotaque, o passaporte verde (é o de brasileira mesmo) e a falta de equidade de gênero não resolva. Também usei de chantagem. Afinal, havia entrevistado todos os candidatos à presidência do Malauí, menos Mutharika.
A entrevista acabou quando centenas de mulheres vestidas com cangas amarelas estampadas com o rosto de Muluzi e/ou Mutharika começaram a cantar e a dançar. Muluzi estava chegando. As mulheres haviam sido contratadas para alegrar o evento.
Eu fiquei do lado do palco e não tirei o olho de Muluzi nem um só segundo. Queria que ele me visse por lá. Já havia participado de outros eventos de inauguração, dentre eles da Fundação Muluzi, e tinha aplicado a mesma técnica. Sabia que ele iria se lembrar de mim. Afinal, eu era a única jornalista mulher azungu (branca, na língua local chichewa) que cobria as eleições.
Dito e feito. Ao final do evento, Muluzi desceu do palco rumo a seu carro, cercado por seguranças. As mulheres voltaram a dançar e a cantar. Eu fiz aquele tchauzinho básico e disse "- president". Ele parou e me perguntou: "who are you? where are you from? what are you doing here? (quem é você? ´De onde vocè é? O que te traz aqui?". As mulheres imediatamente pararam de dançar e de cantar. O silêncio era absoluto. Respondi às suas perguntas e, munida de um microfone, fiz uma curta, mas substanciosa entrevista. Chris, o câmera, gravou tudo. Trechos da entrevista foram utilizados para a produção do documentário "The Making of a President" (Presidente sob encomenda).
Terminada a entrevista, o fotógrafo da Associated Press vem em minha direção e pergunta: "O que ele falou? Como você conseguiu a entrevista?". Bom, sou da Minibus Media! (rs)
A foto abaixo é do momento da entrevista. Mutharika é o cara de óculos, em segundo plano. Ele também parou para o momento histórico. Note o meu figurino, que gracinha! Meu personal stylist faltou no dia.